ACORRENTADOS
A expressão acima pode ser um pouco forte se a
ligarmos ao laço matrimonial, ou seja, ao casamento. O refrão popular: se
casamento prestasse, testemunhas seriam desnecessárias. Ou, se houvesse
confiança entre os nubentes, também não haveria necessidade dos trâmites
burocráticos de papéis de cartório.
A verdade é que nos dias atuais torna-se cada vez
maior o número de pessoas que se unem, quer seja pelo casamento, quer seja pelo
ato de morarem juntos sem legalizar essa união. Cada um carrega dentro de si
várias cargas de defeitos e virtudes, as quais começam a extravasar, como
líquido num balde furado, quando o casal inicia a experiência conjugal.
Juntos, tem início na carne e na alma, a descoberta
dos defeitos de cada um. Não há que se falar das virtudes, pois estas são
sempre bem-vindas. O problema está nas imperfeições que tornam a vida em dois
num verdadeiro inferno entre quatro paredes.
Diz-se que o amor tudo suporta. Ocorre que, atualmente
o verdadeiro amor entre as pessoas é coisa deveras rara. Hoje, predomina a
tolerância e até um certo respeito, pois muitos interesses estão em jogo.
Algumas pessoas necessitam viver juntas por causa das convenções sociais ou por
idéias próprias preconcebidas.
Outras, fazem experiência para ver se dá certo. Outras
ainda, mesmo avisadas com antecedência, mergulham de cabeça na relação,
imaginando que podem mudar a personalidade ou o caráter de alguém, que
praticamente passou toda a sua vida de solteiro vendo coisas e pessoas sob um
prisma diferente.
É óbvio que cada ser humano tem uma maneira toda
especial (para ele/ela) de ver, sentir coisas e pessoas. É para isso que as
nossas almas estão todas impregnadas de orgulho, de vaidade, de egoísmo. Esses
sentimentos afloram, ou seja, vêm à tona, como água borbulhante saindo pelas
bordas de uma taça, quando o nosso orgulho está em jogo.
Quando isso acontece, por causa da nossa imperfeição,
nosso ego acaba ferido e o resultado é o sofrimento que causamos tanto na alma,
e às vezes até no corpo (quando impera a violência física) do(a) nosso(a)
companheiro(a).
Nossa história semanal retrata um pouco esta
exposição: “Conta uma velha lenda dos índios Sioux, que uma vez, Touro Bravo, o
mais valente e honrado de todos os jovens guerreiros, e Nuvem Azul, a filha do
cacique, uma das mais formosas mulheres da tribo, chegaram de mãos dadas até a
tenda do velho feiticeiro da tribo...
– Nós nos amamos... e vamos nos casar – disse o jovem.
E nos amamos tanto que queremos um feitiço, um conselho, ou um talismã...
alguma coisa que nos garanta que poderemos ficar sempre juntos... que nos
assegure que estaremos um ao lado do outro até encontrarmos a morte. Há algo
que possamos fazer?
E o velho emocionado ao vê-los tão jovens, tão
apaixonados e tão ansiosos por uma palavra, disse: – Tem uma coisa a ser feita,
mas é uma tarefa muito difícil e sacrificada... Tu Nuvem Azul, deves escalar o
monte ao norte dessa aldeia, e apenas com uma rede e tuas mãos, deves caçar o
falcão mais vigoroso do monte... e trazê-lo aqui com vida, até o terceiro dia
da lua cheia.
– E tu, Touro Bravo – continuou o feiticeiro – deves
escalar a montanha do trono, e lá em cima, encontrarás a mais brava de todas as
águias, e somente com as tuas mãos e uma rede, deverás apanhá-la trazendo-a
para mim, viva! Os jovens abraçaram-se com ternura, e logo partiram para
cumprir a missão recomendada... No dia estabelecido, à frente da tenda do
feiticeiro, os dois esperavam com as aves dentro de um saco.
O velho pediu, que com cuidado as tirassem dos
sacos... e viu que eram verdadeiramente formosos exemplares... – E a gora o que
faremos? – perguntou o jovem – as matamos e depois bebemos a honra de seu
sangue? Ou as cozinhamos e depois comemos o valor da sua carne? – propôs o
jovem. – Não! – disse o feiticeiro – apanhem as aves, e amarrem-nas entre si
pelas patas com essas fitas de couro... quando as tiverem amarradas,
soltem-nas, para que voem livres...
O guerreiro e a jovem fizeram o que lhes foi ordenado,
e soltaram os pássaros...a águia e o falcão, tentaram voar mas apenas conseguiram
saltar pelo terreno. Minutos depois, irritadas pela incapacidade do vôo, as
aves arremessavam-se entre si, bicando-se até se machucar.
E o velho disse: – Jamais esqueçam o que estão
vendo... este é o meu conselho. Vocês são como a águia e o falcão... se
estiverem amarrados um ao outro, ainda que por amor, não só viverão
arrastando-se, como também, cedo ou tarde, começarão a machucar-se um ao
outro...Se quiserem que o amor entre vocês perdure... voem juntos... mas jamais
amarrados.”
Moral da história: quando um casal por meio de
palavras ou de atos se ofende pelo ódio, raiva, orgulho ou egoísmo, está
fazendo exatamente o que o velho feiticeiro da tribo determinou: amarrar entre
si, as pernas com fitas de couro.
Richard Zajaczkowski, bacharel em Direito,
Oficial de Justiça Avaliador, acadêmico de
Jornalismo
e membro do Centro de letras de Francisco Beltrão
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