O mistério Lúcifer
Um véu cinzento paira sobre tudo o que se relaciona com
Lúcifer. É como se tudo tivesse medo de soerguer a ponta desse véu. O
recuar assustado é na realidade apenas a incapacidade de penetrar no
reino das trevas. A incapacidade jaz, por sua vez, na natureza da coisa,
porque também nesse caso o espírito humano não consegue penetrar tão
longe, por ser-lhe posta uma limitação, devido à sua constituição. Assim
como não consegue ir até a altura máxima, da mesma forma tampouco pode
penetrar até a profundeza mais baixa, aliás, jamais o conseguirá.
Assim, a fantasia criou substitutivos para o que faltava, isto é,
seres de várias formas. Fala-se do diabo sob as formas mais
extravagantes, do arcanjo decaído e expulso, da corporificação do mau
princípio, *(Conduta, lei básica) e o que mais ainda
existe. Da verdadeira natureza de Lúcifer nada se compreende, não
obstante o espírito humano ser atingido por ele e, por isso, muitas
vezes jogado no meio de uma enorme discórdia, que pode ser denominada de
luta.
Aqueles, que falam de um arcanjo decaído, e também os que se referem à
corporificação do mau princípio são os que mais se aproximam do fato.
Só que também aqui há uma concepção errônea que confere a tudo uma
imagem errada. Uma corporificação do mau princípio faz pensar no ponto
culminante, na meta final, a encarnação viva de todo o mal, portanto, a
coroação, o final absoluto. Lúcifer, porém, ao contrário, constitui a origem do princípio errado, o ponto de partida e a força propulsora. Aquilo, que ele provoca, também não se devia denominar de mau princípio, mas sim de princípio errado.
Errado, entendido como o conceito de incorreto, e não de injusto. O
âmbito de ação desse princípio errôneo é a Criação material. Unicamente
na materialidade é que se encontram os efeitos do que é luminoso e os
efeitos do que é das trevas, isto é, os dois princípios opostos, e nela
atuam constantemente sobre a alma humana, enquanto esta percorre a
materialidade para seu desenvolvimento. Agora, a qual princípio a alma
humana mais se entrega, segundo seu próprio desejo, é decisivo para a
sua ascensão para a Luz ou descida para as trevas.
Enorme é o abismo que existe entre a Luz e as trevas. Ele é
preenchido pela obra da Criação da materialidade, que se acha sujeita à
transitoriedade das formas, isto é, à decomposição das respectivas
formas existentes e a um novo formar.
Visto que um circuito, de acordo com as leis que a vontade de
Deus-Pai coloca na Criação, só pode ser considerado concluído e cumprido
quando o seu final volta à origem, assim também o curso de um espírito
humano só pode ser tido como cumprido quando regressa ao
espírito-enteal, que se encontra mais perto da Luz primordial, porque
sua semente saiu desse espírito-enteal. Deixando-se desviar em direção
às trevas, ele incorrerá no perigo de ser arrastado para além do círculo
mais externo de seu curso normal, às profundezas, de onde então não
poderá mais reencontrar a escalada. Ele, porém, também não consegue, a
partir das trevas fino-materiais mais densas e profundas, ir ainda mais
fundo, além do limite extremo das mesmas, para fora da materialidade,
como poderia fazê-lo para cima, em direção ao reino espírito-enteal, por
ser este o seu ponto de partida, e, por esse motivo, será continuamente
arrastado junto no poderoso circular da Criação material, até, por fim,
para a decomposição, porque a sua escura vestimenta de matéria fina,
portanto, densa e pesada, denominada também corpo do Além, o retém. A
decomposição desfaz então sua personalidade espiritual como tal,
adquirida durante a peregrinação pela Criação, de modo que sofre a morte
espiritual e será pulverizado à semente espiritual original.
O próprio Lúcifer se encontra fora da Criação material, portanto, não
será arrastado junto para a decomposição, como se dá com as vítimas de
seu princípio; pois Lúcifer é eterno. Origina-se de uma parte do
divino-enteal. A discórdia iniciou-se depois do começo da formação de
tudo que é matéria. Enviado para amparar o espírito-enteal na matéria e
favorecê-lo no desenvolvimento, não cumpriu essa sua incumbência no
sentido da vontade criadora de Deus-Pai, ao contrário, escolheu outros
caminhos do que os que lhe foram indicados por essa vontade criadora,
devido a um querer saber melhor, que lhe veio durante sua atuação na
materialidade.
Fazendo mau uso da força que lhe foi concedida, introduziu o
princípio das tentações, no lugar do princípio do auxílio amparador, que
equivale ao amor prestimoso. Amor prestimoso na acepção divina, que
nada tem em comum com o servir do escravo, mas tão-somente visa a
ascensão espiritual e com isso a felicidade eterna do próximo, atuando
correspondentemente.
O princípio da tentação, porém, equivale à colocação de armadilhas,
nas quais as criaturas humanas não suficientemente firmes tropeçam logo,
caem e se perdem, ao passo que outras, pelo contrário, fortalecem-se
com isso em vigilância e vigor, para então florescer poderosamente em
direção às alturas espirituais. Tudo o que é fraco, porém, é de antemão
entregue irremediavelmente à destruição. O princípio não conhece nem
bondade, nem misericórdia; falta-lhe o amor de Deus-Pai, com isso, no
entanto, também a mais poderosa força propulsora e o mais forte apoio
que existe.
A tentação no Paraíso, narrada na Bíblia, mostra o efeito da
introdução do princípio de Lúcifer, ao descrever figuradamente como
este, mediante tentação, procura testar a força e a perseverança do
casal humano, a fim de, ante a menor vacilação, lançá-lo logo
impiedosamente no caminho da destruição.
A perseverança teria sido equivalente a um submeter-se jubilosamente à
vontade divina, que se encontra nas leis singelas da natureza ou da
Criação. E essa vontade, o mandamento divino, era de pleno conhecimento
do casal humano. Não vacilar seria ao mesmo tempo um reconhecimento e um
cumprimento dessas leis, com o que o ser humano pode beneficiar-se
delas, de modo certo e irrestrito, e tornar-se assim o verdadeiro
“senhor da Criação”, porque “segue com elas”. Então todas as forças
encontrar-se-ão a seu serviço, se não se opuser, e trabalharão
naturalmente a seu favor. Nisso consiste, então, o cumprimento dos
mandamentos do Criador, que nada mais visam do que a manutenção e o
cultivo puro e desimpedido de todas as possibilidades de desenvolvimento
que residem em Sua obra maravilhosa. Essa simples observância é,
abrangendo mais longe, por sua vez, um consciente co-atuar no sadio
desenvolvimento ulterior da Criação ou do mundo material.
Quem não faz isso é um estorvo que, ou tem de deixar-se lapidar para
atingir a forma correta, ou será esmagado pelas engrenagens do mecanismo
universal, isto é, pelas leis da Criação. Quem não quiser curvar-se
terá de quebrar, porque não pode haver paralisação.
Lúcifer não quer aguardar com bondade o amadurecimento e o
fortalecimento graduais, não quer ser, como deveria, um jardineiro
amoroso que ampara, protege e cuida das plantas a ele confiadas, ao
contrário, com ele, literalmente, “o bode tornou-se jardineiro”. Visa a
destruição de tudo quanto é fraco e, nesse sentido, trabalha
impiedosamente.
Na verdade, ele despreza as vítimas que se rendem às suas tentações e armadilhas, e quer que pereçam em sua fraqueza.
Ele também tem asco da baixeza e da vileza que essas vítimas decaídas
põem nos efeitos de seu princípio; pois somente os seres humanos os
transformam na depravação repugnante em que se apresentam, açulando
Lúcifer com isso ainda mais a ver neles criaturas que unicamente merecem
destruição, não amor e amparo.
E para a realização dessa destruição contribui, não pouco, o
princípio do viver até exaurir-se, que se associa ao princípio da
tentação, como conseqüência natural. O viver até exaurir-se se processa
nas regiões inferiores das trevas e já é aplicado terrenamente na
chamada psicanálise *(Pesquisa da alma) por diversos praticantes, na suposição de que também na Terra o viver até exaurir-se amadurece e liberta.
Todavia, que terrível miséria não deve acarretar a prática desse
princípio na Terra! Que desgraça deve causar, uma vez que na Terra, ao
contrário das regiões das trevas, onde somente se junta aquilo que é de
igual espécie, ainda vive junto e lado a lado o que é mais escuro como o
que é mais luminoso. Basta que se pense apenas na vida sexual e coisas
análogas. Se um tal princípio, em sua prática, for solto sobre a
humanidade, deve haver por fim apenas uma Sodoma e Gomorra, da qual não
há escapatória, mas onde apenas o pavor da pior espécie pode trazer um
fim.
Mas, sem levar isso em consideração, já são vistas hoje inúmeras
vítimas de doutrinas análogas, vagando por aí inseguras, cuja diminuta
autoconsciência, aliás, todo o pensar pessoal, acabou sendo desfolhado
totalmente e aniquilado lá, onde elas, cheias de confiança, esperavam
ajuda. Encontram-se aí como pessoas, de cujos corpos foram arrancadas
sistematicamente todas as roupas, para que sejam obrigadas então a se
vestir com novas roupas a elas oferecidas. As assim despidas, no
entanto, na maioria dos casos, lamentavelmente, não podem mais
compreender por que ainda devem vestir-se com novos trajes. Pela
sistemática intromissão em seus assuntos e direitos, os mais pessoais,
perderam com o tempo também a intuição do pudor, conservador da
autoconsciência pessoal, sem o qual não pode existir nada de pessoal e o
qual constitui propriamente uma parte do que é pessoal.
Em terreno assim revolvido, pois, não se pode erigir nenhuma nova e
firme construção. Essas pessoas, com raras exceções, permanecem
dependentes, chegando até ao desamparo temporário, visto que também lhes
foi tirado o pouco apoio que antes ainda tinham.
Ambos os princípios, o de viver até exaurir-se e o da tentação, estão
tão estreitamente ligados um ao outro, que a tentação deve preceder
incondicionalmente o viver até exaurir-se. É, portanto, o efetivo
cumprimento e a disseminação do princípio de Lúcifer.
Para o verdadeiro médico de alma não há necessidade de destruir. Este
cura primeiro e, então, continua edificando. O verdadeiro princípio
proporciona uma modificação de desejos errados através de reconhecimento
espiritual!
A prática desse princípio destituído de amor, porém, tinha de,
evidentemente, separar Lúcifer, pela natureza da coisa, cada vez mais da
vontade cheia de amor do Criador onipotente, o que acarretou a própria
separação ou expulsão da Luz e, com isso, a queda cada vez mais profunda
de Lúcifer. Lúcifer é um “que se separou por si próprio da Luz”, que
equivale a um expulso.
A expulsão tinha de processar-se, também, de acordo com as leis
primordiais vigentes, a inamovível sagrada vontade de Deus-Pai, porque
um outro fenômeno não é possível.
Como, no entanto, unicamente a vontade de Deus-Pai, do Criador de
todas as coisas, é onipotente, a qual também está firmemente arraigada
na Criação material e em seu desenvolvimento, Lúcifer consegue, sim,
introduzir seu princípio na materialidade, mas seus efeitos poderão
sempre mover-se apenas dentro das leis primordiais instituídas por
Deus-Pai e terão de formar-se na direção delas.
Assim Lúcifer até pode, com o prosseguimento de seu princípio
errôneo, dar um impulso a caminhos perigosos para a humanidade, porém,
não consegue forçar os seres humanos para qualquer coisa, enquanto estes
voluntariamente não se decidirem a isso.
De fato, Lúcifer só pode tentar. A criatura humana, como tal,
encontra-se, no entanto, mais firme do que ele na Criação material e,
por conseguinte, muito mais segura e mais vigorosa, do que a influência
de Lúcifer jamais poderá atingi-la. Assim, cada pessoa se acha de tal
modo protegida, que é para ela uma vergonha dez vezes maior quando se
deixa engodar por uma força comparativamente mais fraca do que a dela.
Deve considerar que o próprio Lúcifer se encontra fora da
materialidade, ao passo que ela se acha enraizada com os pés firmes num
terreno e num solo que lhe é totalmente familiar. Lúcifer se vê
obrigado, para aplicar seu princípio, a servir-se de suas tropas
auxiliares, compostas de espíritos humanos decaídos pelas tentações.
A essas, porém, por sua vez, cada espírito humano que se esforça para
o alto, não somente está plenamente igualado, mas sim as supera
amplamente em força. Um único e sincero ato de vontade é suficiente para
fazer desaparecer um exército deles, sem deixar vestígio. Pressuposto
que estes, com suas tentações, não encontrem nenhum eco ou ressonância
onde possam se agarrar.
Além do mais, Lúcifer seria impotente, se a humanidade se esforçasse
por reconhecer e seguir as leis primordiais introduzidas pelo Criador.
Infelizmente, porém, as criaturas humanas cada vez mais apóiam seu
princípio mediante sua atual maneira de ser e por isso também terão de
sucumbir na maior parte.
Impossível é que algum espírito humano possa travar uma luta com o
próprio Lúcifer, pela simples razão de não poder chegar até ele, devido à
constituição diferente. O espírito humano só pode entrar em contato com
os que sucumbiram ao princípio errado, que no fundo têm a mesma espécie
que ele.
A origem de Lúcifer condiciona que só pode aproximar-se dele e
enfrentá-lo pessoalmente quem tiver origem idêntica; pois somente este é
capaz de chegar até ele. Terá de ser um emissário de Deus, vindo e
preenchido do divino-inenteal, munido da sacrossanta seriedade de sua
missão e confiando na origem de todas as forças, no próprio Deus-Pai.
Essa missão está reservada ao anunciado Filho do Homem.
A luta é pessoal, frente a frente, e não apenas simbólica de modo
geral, conforme muitos pesquisadores querem deduzir de profecias. É a
realização da promessa em Parsival. Lúcifer aplicou mal a “lança
sagrada”, o poder, e, através de seu princípio, abriu um ferimento
doloroso no espírito-enteal, e, com isso, na humanidade como centelha e
extremidade deste. Mas nessa luta ela lhe será tomada. Depois, já na
“mão certa”, isto é, na realização do legítimo princípio do Graal do
amor puro e severo, ela curará a ferida que abriu antes pela mão
imprópria, isto é, pela utilização errada.
Por causa do princípio de Lúcifer, isto é, por causa da utilização
errada do poder divino, equivalente à “lança sagrada” na mão imprópria, é
conferido um ferimento no espírito-enteal, que não pode se fechar!
Isso é reproduzido figuradamente com esse pensamento de modo acertado
na lenda; pois esse fenômeno se assemelha realmente a uma ferida aberta
que não se fecha.
Reflita que os espíritos humanos, como sementes espirituais
inconscientes ou centelhas, fluem ou saltam da extremidade mais baixa do
espírito-enteal para a Criação da materialidade, na esperança de que
essas partículas efluentes, após seu percurso através da materialidade,
despertadas e desenvolvidas para a consciência pessoal, voltem
novamente, na conclusão do ciclo, para o espírito-enteal. Semelhante à
circulação do sangue no corpo de matéria grosseira! Contudo, o princípio
de Lúcifer desvia uma grande parte dessa corrente circulatória
espiritual, com o que muito do espírito-enteal se perde. Por esse motivo
o necessário ciclo não pode ser fechado e efetiva-se como o constante sangrar enfraquecedor de uma ferida aberta.
Porém, se passar agora a “lança sagrada”, isto é, o poder divino, para a mão certa,
que se encontra na vontade do Criador, apontando o caminho certo ao
espírito-enteal que percorre a materialidade como um fator vivificante,
caminho esse que o conduz para cima, ao seu ponto de partida, ao
luminoso Reino de Deus-Pai, então ele não se perderá mais, mas flui de
volta à sua origem, como o sangue ao coração, com o que será fechada
a ferida que até agora vertia enfraquecedoramente no espírito-enteal. A
cura, pois, só pode dar-se por intermédio da mesma lança que ocasionou a
ferida.
Para tanto, porém, antes, a lança tem de ser arrancada de Lúcifer, passando para a mão certa, o que se realiza na luta pessoal do Filho do Homem com Lúcifer!
As lutas seguintes, que se travam ainda na matéria fina e na matéria
grosseira, são apenas repercussões dessa grande luta, que deve trazer o
prometido acorrentamento de Lúcifer, que anuncia o começo do Reino do
Milênio. Significam a extirpação das conseqüências do princípio de
Lúcifer.
Este se opõe ao atuar do amor divino, cujas bênçãos são concedidas às
criaturas humanas em seu percurso pela materialidade. Se, portanto, a
humanidade se esforçasse simplesmente no sentido desse amor divino,
estaria logo protegida completamente contra quaisquer tentações de
Lúcifer, e este seria despojado de todos os horrores que o espírito
humano tece em seu redor.
Também promanam da fantasia variegada do cérebro humano essas formas
medonhas e feias que erroneamente se procura atribuir a Lúcifer. Na
realidade, também, nenhum olho de criatura humana conseguiu ainda vê-lo,
pelo simples motivo da diferente natureza de espécie, nem mesmo o olho
espiritual que, muitas vezes já durante a vida terrena, é capaz de
reconhecer a matéria fina do Além.
Ao contrário de todas as concepções, Lúcifer pode ser chamado de
altivo e belo, de uma beleza sobrenatural, de majestade sombria, com
olhos claros, grandes, azuis, mas que dão testemunho da gélida expressão
da falta de amor. Ele não é apenas um conceito, como geralmente
tenta-se apresentá-lo após outras frustradas interpretações, mas ele é
pessoal.
A humanidade deve aprender a compreender que também para ela são
traçados limites, devido à sua própria espécie, os quais jamais poderá
transpor, evidentemente nem mesmo no pensar e que, além desses limites,
mensagens somente poderão advir pelo caminho da graça. Todavia, não
através de médiuns, que também não podem alterar sua espécie através de
condições extraterrenas, tampouco através da ciência. Justamente esta
tem, sim, através da química, a oportunidade de verificar que a
heterogeneidade das espécies pode estabelecer barreiras intransponíveis.
Essas leis, no entanto, partem da origem e não são encontráveis somente
na obra da Criação.
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