terça-feira, 29 de setembro de 2015

ACORRENTADOS

ACORRENTADOS


A expressão acima pode ser um pouco forte se a ligarmos ao laço matrimonial, ou seja, ao casamento. O refrão popular: se casamento prestasse, testemunhas seriam desnecessárias. Ou, se houvesse confiança entre os nubentes, também não haveria necessidade dos trâmites burocráticos de papéis de cartório.
A verdade é que nos dias atuais torna-se cada vez maior o número de pessoas que se unem, quer seja pelo casamento, quer seja pelo ato de morarem juntos sem legalizar essa união. Cada um carrega dentro de si várias cargas de defeitos e virtudes, as quais começam a extravasar, como líquido num balde furado, quando o casal inicia a experiência conjugal.
Juntos, tem início na carne e na alma, a descoberta dos defeitos de cada um. Não há que se falar das virtudes, pois estas são sempre bem-vindas. O problema está nas imperfeições que tornam a vida em dois num verdadeiro inferno entre quatro paredes.
Diz-se que o amor tudo suporta. Ocorre que, atualmente o verdadeiro amor entre as pessoas é coisa deveras rara. Hoje, predomina a tolerância e até um certo respeito, pois muitos interesses estão em jogo. Algumas pessoas necessitam viver juntas por causa das convenções sociais ou por idéias próprias preconcebidas.
Outras, fazem experiência para ver se dá certo. Outras ainda, mesmo avisadas com antecedência, mergulham de cabeça na relação, imaginando que podem mudar a personalidade ou o caráter de alguém, que praticamente passou toda a sua vida de solteiro vendo coisas e pessoas sob um prisma diferente.
É óbvio que cada ser humano tem uma maneira toda especial (para ele/ela) de ver, sentir coisas e pessoas. É para isso que as nossas almas estão todas impregnadas de orgulho, de vaidade, de egoísmo. Esses sentimentos afloram, ou seja, vêm à tona, como água borbulhante saindo pelas bordas de uma taça, quando o nosso orgulho está em jogo.
Quando isso acontece, por causa da nossa imperfeição, nosso ego acaba ferido e o resultado é o sofrimento que causamos tanto na alma, e às vezes até no corpo (quando impera a violência física) do(a) nosso(a) companheiro(a).
Nossa história semanal retrata um pouco esta exposição: “Conta uma velha lenda dos índios Sioux, que uma vez, Touro Bravo, o mais valente e honrado de todos os jovens guerreiros, e Nuvem Azul, a filha do cacique, uma das mais formosas mulheres da tribo, chegaram de mãos dadas até a tenda do velho feiticeiro da tribo...
– Nós nos amamos... e vamos nos casar – disse o jovem. E nos amamos tanto que queremos um feitiço, um conselho, ou um talismã... alguma coisa que nos garanta que poderemos ficar sempre juntos... que nos assegure que estaremos um ao lado do outro até encontrarmos a morte. Há algo que possamos fazer?
E o velho emocionado ao vê-los tão jovens, tão apaixonados e tão ansiosos por uma palavra, disse: – Tem uma coisa a ser feita, mas é uma tarefa muito difícil e sacrificada... Tu Nuvem Azul, deves escalar o monte ao norte dessa aldeia, e apenas com uma rede e tuas mãos, deves caçar o falcão mais vigoroso do monte... e trazê-lo aqui com vida, até o terceiro dia da lua cheia.
– E tu, Touro Bravo – continuou o feiticeiro – deves escalar a montanha do trono, e lá em cima, encontrarás a mais brava de todas as águias, e somente com as tuas mãos e uma rede, deverás apanhá-la trazendo-a para mim, viva! Os jovens abraçaram-se com ternura, e logo partiram para cumprir a missão recomendada... No dia estabelecido, à frente da tenda do feiticeiro, os dois esperavam com as aves dentro de um saco.
O velho pediu, que com cuidado as tirassem dos sacos... e viu que eram verdadeiramente formosos exemplares... – E a gora o que faremos? – perguntou o jovem – as matamos e depois bebemos a honra de seu sangue? Ou as cozinhamos e depois comemos o valor da sua carne? – propôs o jovem. – Não! – disse o feiticeiro – apanhem as aves, e amarrem-nas entre si pelas patas com essas fitas de couro... quando as tiverem amarradas, soltem-nas, para que voem livres...
O guerreiro e a jovem fizeram o que lhes foi ordenado, e soltaram os pássaros...a águia e o falcão, tentaram voar mas apenas conseguiram saltar pelo terreno. Minutos depois, irritadas pela incapacidade do vôo, as aves arremessavam-se entre si, bicando-se até se machucar.
E o velho disse: – Jamais esqueçam o que estão vendo... este é o meu conselho. Vocês são como a águia e o falcão... se estiverem amarrados um ao outro, ainda que por amor, não só viverão arrastando-se, como também, cedo ou tarde, começarão a machucar-se um ao outro...Se quiserem que o amor entre vocês perdure... voem juntos... mas jamais amarrados.”     
Moral da história: quando um casal por meio de palavras ou de atos se ofende pelo ódio, raiva, orgulho ou egoísmo, está fazendo exatamente o que o velho feiticeiro da tribo determinou: amarrar entre si, as pernas com fitas de couro.

Richard Zajaczkowski, bacharel em Direito,
Oficial de Justiça Avaliador, acadêmico de Jornalismo
e membro do Centro de letras de Francisco Beltrão
     
      



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